- MÊS DE MAIO DE 2014
- MEMÓRIAS DA IRMÃ LÚCIA
(03) RETRATO DE JACINTA Continuação
2. 2 Delicadeza de alma
Um dia, um desses pequenos acusou outro de ter dito algumas palavras pouco decentes.
Minha Mãe repreendeu-o com toda a severidade, dizendo que aquelas coisas feias não se diziam, que era pecado e que o Menino Jesus se desgostava e mandava para o inferno os que faziam pecados, se não se confessavam.
A pequena não esqueceu a lição.
No primeiro dia que encontrou a dita reunião de crianças, disse :
- Hoje tua Mãe não te deixa ir ?
- Não.
- Então eu vou para o meu pátio, com o Francisco.
- E porque não ficas aqui ?
- Minha Mãe não quer que, quando estiverem estes, aqui fiquemos. Disse que fôssemos para o nosso pátio brincar. Não quer que aprenda essas coisas feias que são pecados e das que o Menino Jesus não gosta.
Depois, disse-me baixinho, ao ouvido :
- Se tua Mãe te deixar, vens cá ter a minha casa ?
- Sim.
- Então vai pedir-lhe.
E tomando a mão do irmão, lá foi para sua casa.
Como já disse, um dos seus jogos escolhidos era o das prendas.
Como V. Ex.cia Rev.ma decerto sabe, quem ganha, manda ao que perde, fazer uma coisa qualquer que lhe parecer.
Ela gostava de mandar correr atrás das borboletas até apanhar uma e levar-lha.
Outras vezes, mandava procurar uma flor qualquer que ela escolhia.
Um dia, jogávamos isto em casa de meus pais e tocou-me a mim mandá-la a ela.
Meu irmão estava sentado a escrever junto duma mesa.
Mandei-a, então dar-lhe um abraço e um beijo, mas ela res;podeu :
- Isso não ! Manda-me outra coisa. Porque não me mandas beijar aquele Nosso Senhor que está ali ? (Era um crucifixo que havia pendurado na parede).
- Pois sim respondi Sobes acima duma cadeira, traze-lo para aqui e, de joelhos, dás-lhe três abraços e três beijos : um pelo Francisco, outro por mim e outro por ti.
- A Nosso Senhor dou todos quantos quiseres.
E correu a buscar o crucifixo. Beijou-o e abraçou-o com tanta devoção, que nunca mais me esqueceu aquela acção.
Depois, olha com atenção para Nosso Senhor e pergunta :
- Porque está Nosso Senhor assim pregado numa cruz ?
- Porque morreu por nós.
- Conta-me como foi.
3. Amor a Cristo Crucificado
Minha Mãe costumava, ao serão, contar contos.
E entre os contos de fadas encantadas, princesas dourads, pombimhas reais, que nos contavam meu Pai e minhas irmãs mais velhas, vinha minha Mãe com a história da Paixão, de S. João Baptista, etc, etc.
Eu conhecia, pois, a Paixão de Nosso Senhor como uma história; como me bastava ouvir as histórias uma vez para as repetir com todos os seus detalhes, comecei a contar aos meus companheiros, pormenorizadamente, a história de Nosso Senhor, como eu lhe chamava.
Quando minha irmã (Maria do Anjos), ao passar por junto de nós, se dá conta que tínhamos o crucifixo na mãos, tira-no-lo e repreende-me, dizendo que não quer que toque nos santinhos.
A Jacinta levanta-se, vai junto de minha irmã e diz-lhe :
- Maria, não ralhes ! Fui eu, mas não torno mais.
Minha irmã fez-lhe uma carícia e disse-nos que fôssemos a brincar lá para fora, dizendo que em casa não deixávamos parar nada no seu lugar.
Lá fomos contar a nossa história para cima do poço de que já falei e que, por estar escondido detrás duns castanheiros, dum monte de pedras e dum silvado, havíamos de escolher, alguns anos depois, para cela dos nossos colóquios, de fervorosas orações e, também, Ex.mo e Rev.mo Senhor, para dizer-vos tudo, também de lágrimas, por vezes bem amargas.
Misturávamos as nossas lágrimas à suas águas, para bebê-las depois, na mesma fonte onde as derramávamos.
Não seria essa cisterna a imagem de Maria, em cujo Coração, enxugáva o nosso pranto e bebíamos a mais pura cosolação ?
Mas, voltando à nossa história.
Ao ouvir os sofrimentos de Nosso Senhor, a pequenina enterneceu-se e chorou.
Muitas vezes, depois, pedia para lha repetir.
Chorava com pena e dizia :
- Coitadinho de Nosso Senhor ! Eu não hei-de fazer nunca nenhum pecado. Não quero que Nosso Senhor sofra mais.
John Nascimento
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